Estive a ler e a ouvir no vosso blogue sobre yoguis, gurus e sadhus e senti vontade de escrever as seguintes linhas.
Num dos primeiros retiros que fiz, aquando de uma conversa que tive com a sensei (ia eu cheio de certezas e ego em riste) pus-me a falar sobre um sutra que tinha ouvido uma vez e que tinha ficado a zumbir na minha cabeça. Queria que ela me dissesse que o que eu estava a pensar era o correcto, que estava no bom caminho, que tinha atingido algo… A resposta dela foi muito simples e deitou tudo o que eu "era" por terra: "Porque praticas?"
Foi a melhor resposta que ela me poderia ter dado. Não lhe consegui dizer logo a razão da minha prática, era algo tão natural para mim como respirar. O que é certo é que essa pergunta me fez questionar todas as minhas práticas diárias, pessoais, profissionais… foi um check-up total!
Ao ler as linhas sobre a importância de um propósito de prática do yoga – e quem diz yoga, diz vida – lembrei-me dessa conversa e voltei a fazer-me a mesma pergunta, como aliás andam vocês a dizer há que tempos mas que só agora me "entrou".
Quando me decidi a praticar yoga era apenas uma maneira de me mexer! Ir para o ginásio e fazer aquelas coisas todas não me motiva. E sempre foi algo que me atraiu inconscientemente antes de sequer ouvir falar em meditação ou zen ou outra coisa qualquer. A prática do yoga é agora para mim o mesmo que respirar com consciência. No entanto, e como tão bem apontaram na última quarta, o bom discípulo/aluno é o discípulo atento; eu não tenho estado atento, nem focado num propósito. Tenho estado apenas consciente de que respiro sem dar atenção ao contacto do ar no meu corpo.
Agora estou atento ao facto de que não costumo estar atento; já é um princípio.
Uma Chávena de Chá
08.02.2010
Gonçalo, enquanto falavas hoje, depois da aula, lembrei-me deste pequeno conto zen. Bom proveito.
«Uma chávena de chá
Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor de universidade que veio inquiri-lo sobre o Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual sobre suas dúvidas, questões e interrogações.
Nan-In, enquanto isso, serviu o chá. Encheu completamente a chávena do seu visitante, e continuou a enchê-la, derramando o chá pela borda.
O professor, vendo o excesso a derramar-se, não conseguiu conter-se e disse:
"Está muito cheio. Não cabe mais chá!"
"Como esta chávena," Nan-in disse, "você está cheio das suas próprias opiniões e especulações. Como posso eu demonstrar-lhe o Zen se você não esvaziar primeiro a sua chávena?"»
Precisamos do Conhecimento Para Depois Percebermos
Que Afinal Não Precisamos Dele
Om do livro "Advaita on Zen and Tao" por R. Balsekar
Tenho ouvido frequentemente "Sê quem tu és; nada mais é preciso. Tu tens em ti tudo o que precisas para ser feliz". Ao ouvir tais palavras facilmente caímos no erro de nada fazer e pensar "eu sei", "eu faço", etc.
Ao nada fazer deixamos de ser quem somos. Ao pensar "eu…" estamos a enganar-nos a nós próprios.
Aquilo que somos de verdade não é nomeável. Não pode ser apreendido nem percebido; tem de ser experimentado. Esta motivação, esta intenção é una a todas as práticas, o que muda é a forma. O mesmo se passa connosco: a mesma Vida corre em cada um de nós de maneira diferente, resultando em corpos diferentes, em formas diferentes, humanos, animais, plantas... A Vida é uma e uma só.
Precisamos do Conhecimento para depois percebermos que afinal não precisamos dele. Mas o caminho para a iluminação passa por ali. Um mestre Zen disse-me uma vez estas palavras:
Antes de se iniciar esta prática, as pessoas vêm os rios como rios, as montanhas como montanhas e as árvores como árvores. Assim que nos aventuramos nela, os rios deixam de ser rios, as montanhas não são mais montanhas e as árvores deixam de ser árvores. Com o avançar da prática percebemos que afinal os rios nunca deixaram de ser rios, as montanhas nunca deixaram de ser montanhas e as árvores não são mais do que árvores.
Estas linhas soam na minha cabeça desde então e têm-me acompanhado em todas as viagens. Aquilo que se "atinge" com a prática é também mutável e é atingido de várias maneiras por várias vezes. Várias viagens. Não há um fim. Não há um início. É um modo contínuo.
Gosto disto! :)
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